ESCOBLOG

LITERATURA E INFORMAÇÕES RELACIONADAS À ARTE

Sunday, August 26, 2007

EU FUI TOCADO POR DOIS ANJOS

Sempre que me desloco de Pejuçara a Santa Maria, o ônibus em que viajo pára em Val de Serra. Como a pequena estação fica no trevo de acesso, ainda não conhecia o lugar. Então a professora Lisiane Barrichelo me convidou para visitar a Feira do Livro da localidade e, como esperava, foi surpreendente. Lá conheci um aluno de 42 anos que percorre 16 km de bicicleta para estudar, vi a ilustração feita por um senhor de 72 anos para um de meus poemas e ouvi a voz trêmula das crianças recitando meus versos. Mas o que mais me comoveu foram os dois meninos que se aproximaram, me tocaram como se eu fosse um deus - como para acreditar que o poeta estava ali - e depois correram espantados. Sim, eu estive em Val de Serra e fui tocado por dois anjos. Eu vi o milagre que as professoras realizam naquela pequena escola e fiquei orgulhoso daquela gente.

Sunday, August 05, 2007

O CHAPÉU




Há versos de Carlos Drummond de Andrade que o leitor deve recordar:

Mundo mundo vasto mundo
Se eu me chamasse Raimundo...

Ontem enterramos Raimundo Pinno, avô de minha esposa. Mesmo vendo seu corpo sendo sepultado, é estranho que ele, como a personagem de um livro que nos cativou, pareça continuar vivo. Não dá para acreditar, era o que mais se ouvia no velório, afinal ele estava tão bem, apesar dos 84 anos. Estava jogando baralho com os amigos , de repente colocou a mão no ombro de um deles e, feito quem pifa, disse: To mal. Nem fechou a boca e já fechou os olhos. Mas morreu feliz, se consolavam, morreu feliz. Talvez o morto tenha partido feliz, mas nós, os que ficamos, estamos muito tristes. Eu acredito na morte.

Há um poema de Manuel Bandeira, Momento num café, que o leitor deve recordar:

Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.